Georg Friedrich Händel (Halle an der Saale, 23 de Fevereiro de 1685 — Londres, 14 de Abril de 1759) foi um célebre compositor da Alemanha, naturalizado cidadão britânico em 1726. Desde cedo mostrou notável talento musical, e a despeito da oposição de seu pai, que o queria um advogado, conseguir receber um treinamento qualificado na arte da música. A primeira parte de sua carreira foi passada em Hamburgo, como violinista e maestro da orquestra da ópera local. Depois dirigiu-se para a Itália, onde conheceu a fama pela primeira vez, estreando várias obras com grande sucesso e entrando em contato com músicos importantes. Em seguida foi indicado mestre de capela do Eleitor de Hanôver, mas pouco trabalhou para ele, e esteve na maior parte do tempo ausente, em Londres. Seu patrão mais tarde se tornou rei da Inglaterra como Jorge I, para quem continuou compondo. Fixou-se definitivamente em Londres, e ali desenvolveu a parte mais importante de sua carreira, como autor de óperas, oratórios e música instrumental. Quando adquiriu cidadania britânica adotou uma versão anglicizada de seu nome, George Frideric Handel.[1]
Tinha grande facilidade para compor, como prova sua vasta produção, que compreende mais de 600 obras, muitas delas de grandes proporções, entre elas dezenas de óperas e oratórios em vários movimentos. Sua fama em vida foi enorme, tanto como compositor quanto como instrumentista, e mais de uma vez foi chamado de "divino" pelos seus contemporâneos. Sua música se tornou conhecida em muitas partes do mundo, foi de especial importância para a formação da cultura musical britânica moderna, e desde a metade do século XX tem sido recuperada com crescente interesse. Hoje ele é considerado um dos grandes mestres do Barroco musical europeu.[1]
Primeiros anos
Händel era filho de Georg Händel e sua segunda esposa, Dorothea Taust. Sua família era oriunda de Breslau, e entre seus ancestrais houve muitos ferreiros e funileiros. Seu avô Valentine Händel mudou-se para Halle e seus dois primeiros filhos seguiram a profissão familiar, mas o terceiro, o pai do músico, se tornou barbeiro-cirurgião. O seu avô materno era pastor luterano, também uma tradição familiar. Händel teve seis meios-irmãos do primeiro casamento de seu pai, um irmão, que morreu logo após nascer, e duas irmãs. Quando Händel nasceu Halle era uma cidade provinciana, sem grande atividade cultural. Seu pai conseguira um bom emprego nas cortes do Duque de Weissenfels e do Margrave de Brandeburgo, conquistara um ótimo nível de vida e comprara uma grande casa que hoje é o centro cultural e museu Casa de Händel, mas estava constantemente viajando entre ambas as cidades, e não parecia ver a arte com bons olhos. Considerando-a perda de tempo, planejou para seu filho uma carreira de advogado. Contudo, Händel desde cedo mostrou aptidão para a música, no que foi apoiado por sua mãe.[2][3]
Não se sabe ao certo como iniciou seu aprendizado. A tradição a seu respeito diz que ele praticava escondido de seu pai em uma espineta estragada que havia em sua casa, que não emitia som, mas pode ter aprendido algo de sua mãe, que como filha de um pastor devia ter alguma educação musical, ou na escola pode ter recebido alguns rudimentos na arte. De qualquer forma com sete anos ele já possuía um domínio considerável do teclado. Nesta altura, acompanhando seu pai em uma de suas visitas a Weissenfels, conseguiu ter acesso ao órgão da capela do duque, e para a surpresa de todos deu provas de sua habilidade. Então o duque insistiu que o menino recebesse uma educação musical regular. Consentindo, o pai o colocou sob a orientação de Friedrich Wilhelm Zachow, organista da Igreja de Nossa Senhora, em Halle, aprendendo teoria e composição, órgão, violino, cravo e oboé, além de estudar a obra de compositores célebres para adquirir um senso de estilo. Nos três anos em que estudou com Zachow copiou grande quantidade de música de outros mestres, compôs um moteto por semana e ocasionalmente substituía o professor ao órgão da igreja. Ao fim deste período o seu mestre disse que já não tinha nada mais para lhe ensinar. Seu primeiro biógrafo, John Mainwaring, disse que ele então foi mandado para Berlim, onde teria conhecido músicos distinguidos e ganhado a admiração de todos por suas capacidades de improvisação no órgão e no cravo, mas pesquisas posteriores deram o relato como muito improvável. É possível que tenha assistido óperas em alemão em Weissenfels, onde o Duque havia aberto um teatro.[4][2]
[editar] Hamburgo
Seu progresso foi interrompido em 1697 quando seu pai morreu, deixando a família em precária condição financeira, e Händel teve de arranjar trabalho para sustentá-los. A viagem a Berlim que Mainwaring citou como sendo em 1696 aconteceu provavelmente em 1698, e de acordo com Lang ela exerceu um impacto decisivo sobre sua futura carreira, embora não se tenha manifestado de imediato. A cidade era uma metrópole musical graças ao interesse da Eleitora Sofia Carlota, mais tarde Rainha da Prússia, que reuniu em sua corte um grupo de notáveis compositores, em visita ou residentes, como Agostino Steffani, Attilio Ariosti, Giovanni Bononcini, Arcangelo Corelli e outros. Händel entrou em contato com eles e admirou sua música. Tocando na corte, causou forte impressão na Eleitora, e segundo relatos foi-lhe oferecida uma bolsa de estudos na Itália, que teria sido recusada pela sua família. Em 1701 Telemann visitou Halle e procurou conhecer o jovem músico de quem tinha ouvido boas referências, dando início a uma amizade que perdurou ao longo de toda a vida. Em 1702 conseguiu o posto de organista na catedral calvinista de Halle, na condição de candidato probacionário e, tentando honrar a memória e o desejo de seu falecido pai, começou a estudar Direito, mas abandonou as aulas. Em 1703, quando estava a ponto de ser confirmado no posto de organista, renunciou e foi para Hamburgo, que nessa época era um dos maiores centros operísticos da Alemanha.[5][2] Segundo o testemunho de Johann Mattheson, a quem encontrou em Hamburgo, Händel em sua chegada à nova cidade já era capaz de escrever longas cantatas, mal estruturadas quanto à forma e num estilo antiquado, mas em tudo corretas no que diz respeito à harmonia; quanto à fuga e ao contraponto, disse que ele sabia mais do que Johann Kuhnau, um mestre celebrado da geração anterior.[6] Mattheson era quatro anos mais velho que Händel, imediatamente ficaram amigos e Mattheson, considerando-o uma espécie de protegido, o introduziu na fervilhante vida musical de Hamburgo. Em agosto desse ano ambos viajaram a Lübeck para tentar o posto de organista da igreja, sucedendo a Dietrich Buxtehude, mas entre os requisitos para o cargo estava o casar com a filha de Buxtehude. Ela era muito mais velha que eles e ambos desistiram. Voltando para Hamburgo, possivelmente por intervenção de Mattheson, Händel ingressou na orquestra da ópera local, assumindo o posto de violinista. E logo seu talento se fez notar. Certa ocasião, na ausência do maestro, ocupou seu lugar, e foi tão bem sucedido que foi-lhe dado o cargo. Permaneceu como líder da orquestra por três anos, e em 1705 compôs sua primeira ópera, Almira, com a ajuda de Mattheson. A ópera foi estreada com Mattheson cantando a parte de Antônio, e como este músico tinha uma inclinação ao exibicionismo, assim que seu personagem morria, ele assumia a regência, deslocando Händel. Numa das récitas Händel se recusou a entregar o posto, sobreveio uma discussão e ambos acabaram duelando. Por fortuna a espada de Mattheson quebrou ao atingir um botão de metal na roupa de Händel, e o duelo terminou. Depois se reconciliaram, e Mattheson cantou o papel principal de outra ópera de Händel, escrita às pressas para a mesma temporada, Nero, que se revelou um fracasso de público. Talvez esta tenha sido a causa para sua demissão da orquestra pouco depois, mas por outro lado o diretor da ópera aparentemente havia deixado a administração do teatro em situação difícil, com gastos excessivos, e pode ter havido um corte de pessoal por força de economia, as circunstâncias não são claras.[2]
A amizade com Mattheson da mesma forma chegou a um fim, e pouco se sabe sobre a sua vida subsequente em Hamburgo. Parece ter vivido dando aulas de música, e em 1706 ele recebeu a encomenda para outra ópera, que só foi estreada dois anos depois, dividida em duas por sua extensão excessiva, Florindo, e Dafne, que acabaram se perdendo. Mas antes de sua estréia ele já havia partido para a Itália. O motivo dessa viagem pode ter sido a dificuldade de encontrar um bom emprego depois da confusão que se instalara na ópera da cidade, mas de acordo com Mainwaring ele teria sido convidado pelo príncipe italiano Gian Gastone de' Medici. Pode ter sido o resultado de ambos os fatores. De qualquer modo ele decidiu ir, mas não se sabe ao certo quando isso aconteceu. As próximas notícias sobre ele são de janeiro de 1707, quando já estava em Roma.[2]
[editar] Itália
Na época de sua chegada em Roma a cidade era um dos maiores centros de arte da Europa, tinha uma nobreza ilustrada e cosmopolita, e um ambiente cultural de horizontes muito mais vastos do que os que até então conhecera, e em comparação Hamburgo parecia provinciana. Mas o papa proibira a produção de óperas, consideradas imorais, e a vida musical da cidade girava em torno da música instrumental e principalmente dos oratórios, cujo estilo era todo operístico mas tratavam de temas sagrados. O maior patrono da música era então o cardeal Pietro Ottoboni, que reunia semanalmente em seu palácio um grupo de personalidades para debater arte e ouvir música. Nesse círculo de conhecedores Händel encontrou-se com músicos como Arcangelo Corelli, Bernardo Pasquini e Domenico Scarlatti. Em fins de 1707 foi a Veneza, onde deu concertos. Em abril do ano seguinte estava novamente em Roma, como hóspede do príncipe Ruspoli, para quem escreveu o oratório La Resurrezione, estreado em 8 de abril com uma montagem suntuosa. Em seguida escreveu a cantata sacra Il Trionfo del Tempo e del Disinganno para o cardeal Ottoboni, e pode ter sido assistido como visitante a reuniões na Accademia dell'Arcadia, um círculo muito fechado de eruditos e artistas célebres, no qual não foi admitido. Mas sua fama já estava estabelecida, e o cardeal Pamphilij escreveu uma ode em louvor ao artista, comparando-o a Orfeu, posta em música pelo próprio Händel.[2]
Visitou Nápoles, onde compôs em junho de 1708 uma cantata pastoral para o casamento do Duque de Alvito, e seguiu novamente para Veneza, onde em 26 de dezembro de 1709 estreou sua ópera Agrippina, como enorme sucesso; a cada pausa a plateia irrompia em aplausos, gritos de viva! e outras expressões de apreço. Apesar das perspectivas altamente promissoras para uma carreira italiana, em 1710 mudou-se para Hanôver, onde assumiu o cargo de mestre de capela da corte do Eleitor Georg Ludwig. Mas assim que chegou pediu licença para viajar, e partiu para Düsseldorf, e em seguida para Londres.[2]
[editar] Inglaterra
Chegou em Londres no outono de 1710 e no início do ano seguinte recebeu a encomenda de uma ópera, Rinaldo, composta em poucos dias e estreada em 24 de fevereiro de 1711. Foi recebida entusiasticamente, tornando-o uma celebridade instantânea e inaugurando a moda da ópera italiana na Inglaterra. Expirando sua licença, teve de voltar a Hanôver para reassumir suas funções, mas passou antes por Düsseldorf novamente. Em novembro foi a Halle, onde foi padrinho de uma sobrinha. Em 1712 conseguiu permissão para outra viagem a Londres, na esperança de repetir o sucesso anterior, mas as duas óperas que compôs em sua chegada não tiveram um êxito significativo. Em torno de 1713 mudou-se para a casa de Lord Burlington, ainda um jovem, mas sua mãe já tornara a mansão da família um centro de arte. Possivelmente foi ela, em sua condição de camareira da Rainha Ana, que conseguiu-lhe encomendas pela família real, compondo a Ode para a Rainha Ana e um Te Deum para celebrar a Paz de Utrecht. O resultado prático da Ode foi uma pensão anual de 200 libras concedida pela Rainha. Também tocou órgão regularmente na Catedral de São Paulo, sempre com grande assistência.[2]
Entretanto, a esta altura sua licença havia terminado há muito tempo, e seu patrão em Hanôver estava contrariado. As coisas se tornaram ainda mais constrangedoras para Händel quando o Eleitor assumiu o trono inglês em 1714 como Jorge I. Händel procurou por todos os modos evitar encontrá-lo, mas, segundo Mainwaring, um amigo seu, o Barão Kielmansegge, divisou um meio de reconciliá-los. Um dos passatempos favoritos dos nobres londrinos nesta época era o passeio de barco pelo Tâmisa, acompanhados de uma pequena orquestra que os seguia em um barco próprio. Num desses passeios o Rei foi convidado a participar, e Kielmansegge providenciou para que a música executada fosse de Händel. Sem saber quem era o autor, o Rei se mostrou deliciado, e ao ser revelada a trama, perdoou-o. Outras fontes, porém, dizem que a reconciliação aconteceu por intermédio de Francesco Geminiani, célebre virtuoso do violino, que ao ser convidado para se apresentar diante do Rei, exigiu que seu acompanhador ao cravo fosse Händel. Seja como for, Jorge I não só confirmou a pensão de Händel como a dobrou.[2]
Os anos de 1716 e 1717 foram passados na Alemanha, junto com o rei em visita aos seus domínios alemães, mas foi-lhe dada liberdade de visitar outros lugares, indo a Hamburgo e Halle, visitando a mãe e ajudando a viúva de seu antigo mestre Zachow, que estava na pobreza, dando-lhe uma pensão que se manteve por muitos anos. Em Ansbach encontrou um antigo amigo, Johann Christoph Schmidt, já casado e com filhos, e com um negócio estabelecido, mas o convenceu a deixar tudo e seguir com ele para Londres como seu secretário e copista. Nessa viagem compôs várias peças sob encomenda, e seu estilo mostrou uma temporária reversão para padrões juvenis. Na volta, em 1717, o entusiasmo inicial londrino pela ópera italiana havia desvanecido. Händel se tornou o mestre de capela do Duque de Chandos, um dos grandes patronos da música de seu tempo, para quem ele trabalhou por três anos, produzindo entre outras peças o conhecido Chandos Te Deum e os doze Chandos Anthems, que traem seu conhecimento da música de Purcell. Nesta fase escreveu também música para a liturgia anglicana, serenatas, seu primeiro oratório inglês, Esther, e deu aulas para as filhas do Príncipe de Gales.[7][2]
Em 1719 parte da nobreza se reuniu e começou a planejar a ressurreição da ópera italiana em Londres, uma idéia que possivelmente nasceu no círculo do Duque de Chandos. Com a participação do Rei formou-se uma companhia com um capital de 50 mil libras, que recebeu o nome de Royal Academy of Music, inspirada na academia francesa. Händel imediatamente foi alistado como compositor oficial, e foi enviado para a Alemanha para contratar cantores. Bach tentou avistar-se com ele nesta ocasião, mas houve desencontro. A viagem não teve o resultado esperado, Händel voltou a Londres apenas com um nome famoso, a soprano Margherita Durastanti, e a récita inaugural da Royal Academy em 1720, com uma obra de um compositor menor, Giovanni Porta, foi inexpressiva. Na sequência, a encenação de Radamisto, de Händel, foi um pouco melhor, mas só foi apresentada dez vezes, e a ópera seguinte da temporada, Narciso, de Domenico Scarlatti, teve uma recepção pior do que as outras. No outono seguinte Lord Burlington contratou outro compositor para a Academy, Giovanni Bononcini, que veio a se tornar o maior rival de Händel. Sua estréia em Londres com a ópera Astarto foi um grande sucesso, auxiliado por um excepcional elenco de cantores virtuosos - Senesino, Boschi, Berenstadt, Berselli, Durastanti, Salvai e Galerati - que por seu mérito apenas já dariam a consagração para qualquer obra que cantassem. Além disso a música de Bononcini possuía qualidade e era uma novidade para os ingleses, já acostumados com Händel, e logo em seu redor se formou um partido numeroso de apoiadores. Na temporada seguinte foram suas as obras mais lucrativas, apresentando três, enquanto Händel só ofereceu uma, Floridante, cujo sucesso foi moderado. Contundo, a situação reverteu no ano seguinte, Floridante foi reapresentado com boa acolhida, e outras duas, Muzio Scevola e Ottone, tiveram excelente repercussão, em parte devido à chegada de outra cantora importante, Francesca Cuzzoni, que ofuscou todas as outras cantoras da moda com sua extraordinária capacidade vocal.[2]
O relacionamento entre ele e os cantores não era tranquilo, eram virtuosos internacionais conhecidos por suas extravagâncias, exigências absurdas, rebeldia e uma enorme vaidade. Várias vezes teve de pacificar rivalidades entre eles. Uma vez chegou a ameaçar a Cuzzoni de jogá-la pela janela se não o obedecesse. Por fim Senesino e Cuzzoni tornaram a vida impossível para os outros, que abandonaram a companhia, e eles só foram tolerados porque eram de fato imprescindíveis. Em 1726 foi contratada outra cantora, Faustina Bordoni, que suplantou a própria Cuzzoni, mas as disputas não só continuaram como se acirraram, tornando-se públicas e prejudicando as récitas.[2] Em uma apresentação em 6 de junho de 1727 a Cuzzoni e a Bordoni iniciaram uma luta corporal em pleno palco, arrancando-se mutuamente os cabelos, entre gritos da platéia, estando a Princesa de Gales presente.[8] Mesmo entre todos esses contratempos, nestes anos apareceu uma sucessão regular de grandes óperas suas, como Tamerlano, Giulio Cesare, Rodelinda, Scipio, Alessandro, Admeto, todas bem recebidas. Händel já era então considerado o renovador da ópera inglesa, e a julgar pelos relatos de críticos influentes da época como Charles Burney, ele demonstrava uma ciência musical muito superior à média, e era capaz de comover sua audiência de forma nunca vista, levando a música além do mero entretenimento e imbuindo-a de paixão.[2]
Em 1728, porém, a Royal Academy foi dissolvida. Possivelmente os administradores não tiveram competência suficiente, mas um fator de grande importância foi a apresentação de um pastiche, The Beggar's Opera, por uma companhia rival, que se tornou um sucesso fulgurante, com 62 apresentações consecutivas. É provável também que a própria música de Händel nessa época, pelas mesmas qualidades que Burney elogiara, tenha se tornado uma das causas do colapso da companhia. Diante da leveza e humor da Beggar's Opera, com suas baladas de melodias fáceis em inglês que todos podiam cantarolar, seu caráter descompromissado e apelo imediato, a música altamente elaborada, séria e em italiano de Händel não pôde competir no gosto da população em geral, e se supõe que parte do sucesso inicial dele tenha se devido antes à excitação e novidade das cantoras e castrati virtuosos, até então desconhecidos em Londres, cujas performances eram de fato eletrizantes, do que a uma verdadeira compreensão da substância e significado da música pelo grande publico. O fim da companhia não representou um grande golpe para Händel. Como músico contratado, recebeu sempre seu pagamento, pôde acumular um capital de 10 mil libras, uma soma considerável na época, e a experiência serviu para que ele aperfeiçoasse sua habilidade na composição dramática, tornando-se indiscutivelmente o melhor compositor de óperas sérias em toda a Europa. Além disso, o sucessor de Jorge I, Jorge II, se mostrou ainda mais simpático a ele, e o indicou compositor da Capela Real e compositor da corte. Suas composições instrumentais também eram apreciadas, eram publicadas assiduamente e tinham ótima venda.[2][9]
Mesmo com o fracasso final da Royal Academy, ele se sentiu seguro o bastante para lançar uma companhia operística por conta própria logo em seguida. Associou-se com o empresário Heidegger, contratou o aluguel do King's Theatre por cinco anos e viajou à Itália em busca de cantores, mas só conseguiu contratar nomes secundários. Também visitou Halle para ver sua mãe, e Bach novamente tentou vê-lo, mas de novo o encontro não se realizou. A estréia de sua companhia, com Lothario, foi pouco auspiciosa. Na temporada seguinte se viu forçado a recontratar Senesino, e então a récita de Poro foi um sucesso. Também conseguiu contratar o baixo Montagnana, outro cantor notável, mas as apresentações de Ezio e Sosarme em 1732 foram escassamente assistidas. Em fevereiro reapresentou Esther em forma de oratório, e no fim do ano encenou a ópera Acis and Galatea, ambos em inglês, e bem sucedidos. No ano seguinte apareceu Orlando, outro sucesso, e foi convidado pela Universidade de Oxford para apresentar os oratórios Esther, Athaliah e Deborah, um gênero que rapidamente se tornou popular e que teve casas lotadas em Oxford.[2][9]
Mas a situação econômica da sua companhia operística não era estável, e foi piorada com os eternos atritos com os cantores. Händel continuava sendo o favorito do Rei, mas já não era novidade, a nova geração já começava se tornar influente, e seus gostos eram outros. Por ser um estrangeiro, mesmo já naturalizado, criou várias inimizades com os compositores nativos.[2] Além disso, estando o Rei em sério atrito com seu filho, o Príncipe de Gales, este patrocinou a fundação de uma companhia de ópera rival, a Ópera da Nobreza, e Händel como favorito do monarca acabou por ser envolvido indiretamente na disputa. Segundo o relato de Lord Hervey, a questão se tornou tão grave que ser contra Händel equivalia a ser contra o Rei, mas sendo o monarca impopular, a aristocracia se reuniu em torno do Príncipe e sua nova companhia, que ofereceu salários maiores para Senesino e Heidegger, e eles abandonaram Händel. Também perdeu a grande proteção da Princesa Ana, que deixou a Inglaterra para se casar com o Príncipe de Orange.[10] Em 1734 sua concessão do King's Theatre terminou e a casa foi entregue à Ópera da Nobreza, que contava então com um grande elenco de cantores, incluído o afamado Farinelli. Imediatamente ele fundou outra companhia no Teatro Real de Covent Garden, em associação com John Rich. Introduziu inovações nos espetáculos para atrair mais público, como concertos de órgão e bailados entre os atos das óperas, contando com a participação da célebre dançarina e coreógrafa Marie Sallé, mas a iniciativa não teve o resultado esperado, ainda que nos oratórios ele continuasse imbatível.[11][2][12] Em 1736 o casamento de Frederico, Príncipe de Gales, com a princesa Augusta de Saxe-Gotha, deu-lhe a derradeira oportunidade de mostrar suas óperas em grande estilo, pois a princesa solicitou uma série de récitas exclusivas, onde o compositor apresentou composições antigas e uma ópera nova, Atalanta. Animado, preparou a temporada seguinte produzindo Arminio, Giustino e Berenice.[2]
Mas foi tudo inútil. Na temporada de 1735 já havia perdido 9000 libras, e em 1737 faliu. Sua saúde fraquejou, ele sofreu um colapso nervoso e uma paralisia afetou seu braço direito. Foi então para a estância termal de Aix-la-Chapelle, onde se recuperou com muita rapidez, pôde ali mesmo compor uma cantata, que foi perdida. No fim do ano já estava de volta em Londres, e imediatamente iniciou a composição de outra ópera, Faramondo. Também fez uma tentativa de se adequar ao gosto de então, compondo sua única ópera cômica, Serse, que foi um completo fracasso. A outra teve sorte apenas pouco melhor. Seus únicos consolos nessa temporada difícil, em que também foi ameaçado de prisão por dívidas, foram um concerto beneficente que seus amigos organizaram para recolher fundos para ele, que inesperadamente foi muito concorrido, e a estátua que lhe ergueram nos Jardins Vauxhall,[2][13] que segundo Hawkins, seu contemporâneo, era o retrato mais semelhante à sua verdadeira aparência de quantos ele conhecia.[14] Não se deu por vencido e fez planos ambiciosos para seu novo oratório, Saul, mas sua recepção foi pouco expressiva. Os seus oratórios seguintes, Israel in Egypt e L'Allegro, Il Penseroso e Il Moderato, foram outros fracassos. Suas outras obras, Parnaso in Festa, Imeneo e Deidamia, todas encontraram platéias vazias e mal duraram em cartaz mais do que duas ou três noites. Em 1739 estava novamente à beira da ruína.[2] Apenas seus seis Concertos Grossos obtiveram boa acolhida, mas não conseguiram reverter sua situação financeira penosa, agravada por uma coalizão de nobres que por motivos desconhecidos se posicionou contra ele nesta altura, boicotando seus concertos. Rolland disse que diante de tantos reveses ele decidiu deixar a Inglaterra, já sem forças para continuar a luta, e em 1741 anunciou que daria seu último concerto.[15]
Entretanto, no mesmo ano foi convidado para dar uma série de concertos beneficentes em Dublim, e ali mais uma vez sua estrela voltou a brilhar. Para lá escreveu O Messias (Messiah), a sua obra mais conhecida, e reapresentou L'Allegro, cujas récitas se tornaram um verdadeiro triunfo. Logo arranjou para que outras obras fossem encenadas, todas recebidas com entusiasmo. Em 1743 estava de novo em Londres, onde seu oratório Samson teve sucesso imediato, e seu Dettingen Te Deum teve recepção semelhante. Mas outras composições, como Belshazzar e Hercules, fracassaram, e apesar das pensões que continuou sempre recebendo pontualmente, em 1745 sua situação era mais uma vez crítica.[2] Novamente a nobreza conspirou para a sua ruína. Horace Walpole afirmou que se tornou então uma moda, nos dias em que Händel oferecia seus oratórios, os nobres irem todos à ópera.[16] Durante a rebelião jacobita ele aproveitou a movimentação política escrevendo obras de cunho patriótico, e seu oratório Judas Maccabaeus, composto em honra do Duque de Cumberland, que derrotara os revoltosos, teve enorme repercussão, dando-lhe mais renda do que todas as suas óperas juntas, e de uma hora para outra tornando-o o "compositor nacional". Na sequência outras composições suas tiveram boa aceitação. Susanna foi outro sucesso notável, bem como a Fireworks Music, uma suíte orquestral. Finalmente suas finanças se estabilizaram.[2][17]
Em 1750 viajou pela última vez à Alemanha, visitando também os Países Baixos, mas seu itinerário é obscuro, somente se sabe com certeza que sofreu um acidente de carruagem e saiu bastante machucado. No começo do ano seguinte iniciou a escrita de Jephta, mas então surgiram problemas de visão. Foi operado, mas com pouco proveito, perdendo o funcionamento do olho esquerdo e tendo o outro afetado parcialmente. Seu braço novamente estava semiparalisado, mas pôde tocar órgão em Dublim em junho.[2] Por conta desses problemas a escrita de novas obras foi muito prejudicada, mas com ajuda de seus secretários pôde continuar a compor em pequena escala e a revisar obras anteriores. Ainda tocava órgão nas récitas dos oratórios, recebia e visitava amigos, manteve correspondência. Seus oratórios começavam a se fixar no repertório e se tornar populares; davam bastante lucro, tanto que ao morrer deixou um patrimônio de 20 mil libras, uma pequena fortuna, incluindo uma expressiva coleção de obras de arte. Em 1756 estava praticamente cego e revisou seu testamento, mas permanecia com boa saúde geral e um ânimo jovial, ainda tocava órgão e cravo com perfeição, e também se dedicava à caridade. No ano seguinte sua saúde melhorou muito, pôde retomar a composição produzindo uma quantidade de árias novas com a ajuda de seu secretário, e um novo oratório, The Triumph of Time and Truth, revisando uma obra antiga. Segundo relatos de amigos sua memória estava em condições excepcionais, bem como sua inteligência e lucidez. No ano seguinte ainda pôde dirigir encenações em Dublim, mantinha o controle sobre vários aspectos da produção de seus oratórios e viajava para várias cidades para encená-los, mas em 1758 já abandonara a maioria de suas atividades públicas, pois sua saúde começava a declinar rapidamente.[18]
Sua última aparição em público aconteceu em 6 de abril de 1759, numa apresentação de O Messias. Teve um desmaio durante o concerto e foi levado para casa, onde permaneceu de cama, falecendo na noite de 13 para 14 de abril. Foi enterrado na Abadia de Westminster em uma cerimônia assistida por milhares de pessoas. Seu testamento foi executado em 1 de junho, onde ele deixou a principal parte de seus bens para sua afilhada Johanna, com dotes para outros familiares e seus assistentes, além de mil libras para uma instituição de caridade. Seus manuscritos ficaram com o filho de seu secretário Johnann Schmidt, de mesmo nome do pai, que os guardou até 1772, quando os ofereceu para Jorge III em troca de uma pensão anual. Alguns, porém, conservou, e foram adquiridos por Lord Fitzwilliam, que mais tarde os doou à Universidade de Cambridge.[2]
[editar] Vida privada
Não se conhece em grande extensão a vida privada de Händel, mas sobreviveram vários testemunhos significativos. Segundo esses relatos, quando jovem era considerado bonito e de boa compleição, mas à medida que envelheceu ficou obeso, pois lhe agradavam os prazeres da mesa, o que deu origem a sátiras e caricaturas que ironizavam esse amor. Burney disse que apesar disso seu semblante irradiava dignidade, e seu sorriso parecia como um raio de sol perfurando as nuvens escuras: "... então subitamente brilhava de sua face um lampejo de inteligência, vivacidade e bom humor como eu raramente vi em qualquer outra pessoa".[19] Era claramente inteligente e bem educado, versado em quatro línguas - alemão, italiano, francês e inglês. Usava todas em combinação quando contava histórias para seus amigos, e se diz que era um grande humorista. Estava à vontade entre os poderosos, a despeito de sua origem relativamente humilde, mas manteve amizades duradouras com pessoas comuns. Tinha um temperamento volátil, emotivo, compulsivo, podia passar rapidamente da fúria para a paz e benevolência. Era independente e orgulhoso de suas capacidades musicais e de sua honra, e as defendia com vigor e tenacidade; era impaciente com a ignorância musical, fez vários inimigos em sua carreira, mas não era vingativo, ao contrário, era conhecido por sua generosidade. Quando se tratava de defender seus interesses era astuto e sabia se valer da boa diplomacia quando necessário. Apoiou várias instituições de caridade e fez concertos beneficentes.[20] Gostava de outras artes além da música, tinha um gosto refinado e reuniu uma apreciável coleção de cerca 80 pinturas e muitas gravuras, incluindo obras de mestres famosos como Rembrandt, Canaletto e Andrea del Sarto. Sobre outras áreas, Burney e Hawkins disseram que ele desconhecia tudo. Cresceu como luterano, mas depois de sua naturalização parece ter adotado o culto da Igreja da Inglaterra. Sua religiosidade não parece ter sido extraordinariamente forte, mas deve ter sido sincera, e foi eclético o bastante para escrever música sacra para católicos, calvinistas, luteranos e anglicanos.[20][2][21][22] Jamais se casou e sua vida sexual, se existiu, permaneceu oculta do público. É possível que tenha mantido romances temporários com cantoras de suas companhias de ópera, conforme rumores que correram durante sua vida. Alguns dizem que lhe foi proposto casamento mais de uma vez, e também foi aventado que poderia ter tido uma inclinação homossexual, mas nada se documentou.[23] Burney disse que ele trabalhava tanto que pouco tempo lhe restava para entretenimentos sociais. Apesar da grande quantidade de relatos sobre ele - e de anedotas - Lang foi de opinião que sua natureza mais íntima permanece obscura, um homem "difícil de conhecer e difícil de retratar... e que nos faz acreditar que o homem interior difere marcadamente do exterior... suas obras permanecem como a principal chave para explicarmos o seu coração".[24]
Gozou de boa saúde geral por toda a vida, mas algumas afecções lhe trouxeram problemas - ocasionais ataques de paralisia no braço direito, um episódio de desequilíbrio mental e sua cegueira final. Elas foram analisadas modernamente, com as seguintes conclusões: os ataques de paralisia, o primeiro deles em 1737, possivelmente se deveram a alguma forma de estresse muscular ou artrite de origem cervical, ou alguma neuropatia periférica por causa do uso repetitivo da mão e do braço, como é comum entre os músicos. Também podem ter sido fruto de intoxicação por chumbo, que era presente em quantidades significativas no vinho que ele bebia. Nesse primeiro episódio foi observado também uma perturbação mental de alguma gravidade, da qual não sobrevivem relatos detalhados, e que devido à falta de outros sintomas e sua brevidade pode ter sido uma reação emocional extrema diante da perspectiva de perder para sempre o uso do membro, essencial para sua profissão, ou o resultado da tensão em virtude da sua falência como empresário. Mas ambos os problemas desapareceram rápido e não deixaram sequelas conhecidas. Outros ataques de paralisia aconteceram ao longo dos anos, todos revertendo com rapidez e sem prejudicarem depois suas habilidades como intérprete. Muitas vezes ele se queixou de má saúde para seus amigos, mas todos os relatos deles sobre esses encontros contradizem suas palavras, descrevendo-o sempre como estando visivelmente bem, perfeitamente lúcido, espirituoso e ativo. Sua doença mais grave foi a cegueira, notada a partir de 1751, interrompendo temporariamente sua escrita do oratório Jephta. Buscou ajuda médica e foi operado do que foi descrito como uma catarata por três vezes, sem sucesso. O problema piorou e acabou perdendo completamente a visão do olho esquerdo, e nos anos seguintes, do direito, embora ao que parece não de todo, pelo menos no início. Foi sugerido que essa cegueira foi resultado de uma neuropatia óptica isquêmica. William Frosch rejeitou ainda outras opiniões presentes em especial em biografias do início do século XX, que o mostravam como um maníaco-depressivo.[20][25]
[editar] Obra
[editar] Contexto
Quando Händel chegou à Inglaterra para desenvolver a parte mais significativa de sua carreira, encontrou a vida musical do país em declínio. Depois da morte de Purcell e John Blow não havia surgido nenhum compositor de estatura, o que abrira espaço para uma virtual invasão de estrangeiros, especialmente italianos, mas a estrutura local não estava pronta para assimilá-los. Enquanto que no resto da Europa havia inúmeros centros musicais importantes, e mesmo cortes provincianas mantinham orquestras e teatros, na Inglaterra o único centro de atividade era Londres, e mesmo ali não havia um sistema de patrocínio pela nobreza. Assim a única música de qualidade era ouvida em pequenos saraus domésticos dados por nobres diletantes em suas mansões ou clubes privados, em alguns concertos públicos e um pouco de música sacra no culto. A situação era piorada com a completa ausência de instituições de ensino musical, em contraste com as academias bem estruturadas de outros países. Essa situação começou timidamente a reverter pouco depois da sua chegada, e ele teve um papel central nesse processo. Também a nobreza foi fundamental para que a ópera em italiano pudesse florescer, em vista de seus custos altíssimos de produção, e de fato ela só aconteceu porque seu público mais importante foi a própria elite, que considerou o gênero uma novidade excitante. Mesmo com esse apoio, a tradição operística em italiano na Inglaterra foi mais uma moda passageira, não conseguiu se enraizar profundamente, e se o fez por algum tempo, foi mais graças à obstinação de Händel. Todas as companhias operísticas que se formaram viram muitos sucessos, mas também sofreram reveses consideráveis, e nenhuma durou muito tempo. As causas para isso foram tanto a sua inviabilização econômica quanto a resistência de parte do público, que em parte via o ambiente teatral como um antro de vícios e a música como potencialmente perigosa por descontrolar as emoções, e em parte preferia mais a ópera-balada em inglês. Também os críticos da imprensa foram resistentes, tendendo a ver tudo como um estrangeirismo artificioso e um tanto absurdo, e estavam mais interessados na ressurreição do rico passado musical nativo, como se prova pela criação da Academia de Música Antiga em 1710, pela aparição de várias e extensas compilações de música das gerações entre Dunstable a Purcell, e pela publicação de obras importantes de história da música e musicologia.[26][27]
Apesar da grande participação individual de Händel na dinamização da vida musical inglesa, havia em seu tempo um nítido movimento em toda a Europa para a criação de um novo público para a música e as outras artes, formado especialmente pela burguesia em ascensão. Locais como cafés, sociedades culturais, bibliotecas, muitas vezes ofereciam atrações musicais, e a imprensa contribuiu para a educação desse público desenvolvendo ativo articulismo crítico, seja em nível profissional, seja amador. Aqueles espaços citados, serviam, então, como florescentes fóruns de debates culturais para a sociedade burguesa que se ilustrava, onde participavam não apenas ela, mas, especialmente no caso da Inglaterra, era comum a reunião adicional de artistas, jornalistas e nobres interessados em arte, numa atmosfera de ampla igualdade social que, entretanto, logo para fora das portas, desaparecia. A liberdade ali dentro era tanta que a polícia inglesa não demorou a colocar tais casas sob suspeita de serem focos de subversão política. Mas a pressão contrária foi grande, o controle oficial em seguida foi relevado, e sua atividade prosperou, tornando-se centros importantes de cultivo tanto da crítica de arte inglesa como de um senso de identidade em política e cultura para a classe média local.[28]
[editar] Visão geral
Falando de seu estilo geral, Romain Rolland disse que
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- "...nenhum outro músico é tão difícil de incluir nos limites de uma definição, ou mesmo dentro de várias, do que Händel... Ele não é um daqueles que impõem sobre a vida e a arte um idealismo voluntário, seja violento ou pacífico; nem é daqueles que escrevem a fórmula de sua campanha no livro da vida. Ele é do tipo que bebe da vida universal, e a assimila a si mesmo. Sua vontade artística é essencialmente objetiva. Seu gênio se adapta a milhares de imagens de eventos passageiros, às nações, aos tempos em que viveu, e mesmo às modas de seus dias. Ele se acomoda às várias influências, ignorando todos os obstáculos. Ele pondera outros estilos e outros pensamentos, mas tamanho é o poder de assimilação e o equilíbrio de sua natureza que ele jamais submerge ou se sobrecarrega pela massa dos elementos estranhos. Tudo é devidamente absorvido, controlado e classificado. Esta alma imensa é como o mar, onde todos os rios do mundo se derramam sem que perca sua serenidade". [29]
Quanto à obra operística, Händel em linhas gerais seguiu os princípios da música dramática italiana, que era a corrente dominante em seu tempo, toda composta na grande tradição da ópera séria. Não reagiu contra as convenções do gênero, mas foi capaz de introduzir-lhe grande variedade, e notabilizou-se pela profundidade da caracterização psicológica de seus personagens, conseguindo fazer convincentes seres humanos dos heróis míticos de suas histórias. Incorporou também elementos dos estilos inglês (especialmente de Purcell), francês (a tradição dramática de Lully e Rameau) e alemão (Krieger, Reincken, Buxtehude, Pachelbel, Muffat e outros, que deram a base de sua formação inicial), os quais conhecia em profundidade, sendo, de acordo com Nikolaus Harnoncourt, um dos poucos compositores de seu tempo que podiam ser descritos como verdadeiramente cosmopolitas.[30][31] Suas obras vocais nunca foram compostas para satisfazer o gosto popular, salvo algumas tentativas em seus anos finais, todas mal-sucedidas, e sua correspondência privada atesta o quanto ele desprezava esse gosto,[2] mas seus cadernos de notas revelam que retirava muita inspiração das canções que ouvia nas ruas.[32] Realmente compunha para o momento, por dinheiro, para arrasar seus concorrentes, sem pretender a imortalidade, mas, segundo Edward Dent, jamais abandonou a seriedade com que via seu próprio trabalho, e o fez visando uma classe social educada que seria capaz de desejar, além de entretenimento, também graça, dignidade e serenidade. Apesar disso, contribuiu de forma importante para disseminar música de alto nível entre o povo através dos seus concertos públicos.[2][27] Suas obras sacras revolucionaram a prática inglesa, não somente através do emprego de grandes massas orquestrais e vocais e pelo uso eficiente do stile concertato, contrapondo pequenos grupos e solos contra o bloco da orquestra e coro, como também pelos seus efeitos grandiosos e poderoso dramatismo, e a introdução de um senso melódico mais moderno e uma harmonia mais clara.[33] Seus oratórios, muito mais do que substitutos de óperas para os períodos de Quaresma, quando os teatros profanos fechavam, fundaram no país toda uma nova tradição de canto coral, que logo se tornou um traço importante da cena musical inglesa e que inspirou Haydn e impressionou Berlioz. Além da sua produção vocal, deixou grande quantidade de música instrumental de nível superior, entre concertos, sonatas e suítes.[27]
Händel foi celebrado como um dos grandes organistas e cravistas de sua geração, foi chamado de "divino" e "miraculoso", e comparado a Orfeu. Certa vez, em Roma, tocou o cravo de pé, numa posição incômoda, e com um chapéu debaixo do braço, mas de uma maneira tão exímia que todos disseram, jocosamente, que sua arte se devia a algum pacto com o demônio, já que ele era um protestante. Sentando-se depois, tocou ainda melhor.[34][35][36] Espantava seus ouvintes com sua capacidade de improvisação. Um registro contemporâneo refere que "ele acompanhava os cantores da forma mais maravilhosa, adaptando-se ao seu temperamento e virtuosidade, sem ter qualquer nota escrita diante de si". Mattheson afirmou que nesse terreno ele era incomparável.[37] Teve alguns alunos na Alemanha, mas depois disso jamais voltou a ensinar, salvo as filhas de Jorge II da Inglaterra, e o filho de seu secretário, John Christopher Smith. Um relato da época conta que ele não apreciava esta atividade. A documentação manuscrita sobrevivente, incluindo um caderno de exercícios composto para uso destes poucos alunos, indica que seus métodos como professor não diferiam da prática geral de seu tempo, mas mostravam uma especial influência da escola germânica, onde ele mesmo recebera sua formação.[38][39]
[editar] Método de trabalho e técnica de composição
Testemunhos de época afirmam que Händel tinha uma impressionante facilidade para compor, às vezes compunha mais rápido do que os seus libretistas podiam fornecer-lhe o texto para suas óperas e oratórios. Compôs a abertura de Rinaldo em uma única noite, e escrevendo Belshazzar tão rapidamente que seu libretista não conseguia acompanhá-lo, entreteve-se nas horas vagas compondo Hercules, outra grande obra. Seu célebre O Messias, extenso oratório em três atos, foi composto em apenas 24 dias. Não era sistemático, compunha obras em partes independentes enquanto que trabalhava em várias ao mesmo tempo. Quando compunha isolava-se do mundo e ninguém tinha permissão para interrompê-lo. Enquanto o fazia, gritava consigo mesmo, e se emocionava quando trabalhava sobre um texto trágico ou piedoso. Seus serviçais muitas vezes o viram chorando e soluçando sobre as folhas de música. Quando esteve escrevendo o coro Halleluja, do Messiah, seu camareiro foi servir-lhe chocolate quente e o encontrou em prantos, para quem o músico disse: "Não sei se eu estava em meu corpo ou fora dele quando escrevi isso, só Deus sabe!" [40]
Sua técnica geral de composição das obras vocais, que perfazem a parte mais importante de seu legado, é peculiar. Não fazia esboços a não ser anotações muito sucintas da idéia melódica principal da peça, escrevendo de forma direta até a conclusão, e embora isso não fosse uma regra, era uma prática comum sua compor primeiro um esqueleto da peça, com o baixo contínuo, os violinos e a voz por extenso, e só depois de terminado esse arcabouço preenchia as partes médias e escrevia a música dos recitativos. Muitas vezes deixou apenas indicações sucintas, com muito espaço para improviso do intérprete, e por isso as vozes intermediárias muitas vezes têm a função mais de simplesmente prover um recheio harmônico do que chamar a atenção para si. Usava bastante a técnica do "recorte-e-cole", não era raro que mudasse de idéia ao longo da composição e isso repercutisse na alteração completa da estrutura, como o provam várias peças em diversas versões bastante diferentes, e reaproveitava material de composições antigas.[31][41] Tais liberdades dificultam o estabelecimento de um padrão fixo de composição. Como descreveu Hurley,
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- "Se perguntarmos se Händel compunha de forma espontânea, devemos responder sim; se perguntarmos se para ele a composição envolvia planejamento prévio, devemos responder sim; se perguntarmos se ele revisava suas obras alterando-lhes a forma mas preservando o conteúdo melódico, devemos responder sim; se perguntarmos se Händel abandonava suas idéias melódicas originais no curso do estabelecimento da forma, a resposta é sim". [42]
Sua principal preocupação parece ser a melodia e o efeito de conjunto, e não o detalhe. E quanto à melodia, foi um dos maiores melodistas de todos os tempos, criando linhas complexas, de estrutura assimétrica e amplos gestos, mas que formam um todo notavelmente unificado e expressivo. Seu fértil engenho era capaz de criar melodias para expressar o completo espectro emocional do ser humano nas mais variadas situações.[43] O regente Christophe Rousset, perguntado sobre quais características da obra de Händel considerava as mais importantes, disse:
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- "Até onde sei, a primeiríssima é sua linha vocal, seu gênio melódico, o fato de que sua linha é muito natural, e se adeqúa perfeitamente à voz. Você simplesmente sente que o cantor desliza para dentro da linha sem o sofrimento que ele encontra em uma cantata de Bach ou em uma Leçon de Ténèbres de Couperin - peças maravilhosas que fazem você pensar que os cantores estão sendo crucificados, um sentimento que é parte do jogo e que pertence à beleza do gesto interpretativo. Händel fala sobre a naturalidade do canto, uma espécie de massagem vocal da qual resulta um deleite, um prazer, que empresta a tudo uma dimensão hedonística." [44]
Apesar de ser um contrapontista exímio, o contraponto tem uma parte relativamente secundária no seu estilo, e trabalhou as técnicas polifônicas com grande liberdade e originalidade. Muitas vezes sua polifonia foi comparada com a de Bach, sempre desfavoravelmente, mas com isso se perde de vista que apesar de suas origens e sua formação, seu modelo não foi a abordagem germânica da polifonia, mas a italiana, a de Legrenzi, Vitali, Bassani, e sobretudo Corelli, cujo estilo é leve e pouco formal, fluente, livre, flexível, e vocal em origem e espírito mesmo quando adaptado para o idioma instrumental. Daí que sua concepção de polifonia era um tudo diferente daquela de seu famoso conterrâneo, e seus objetivos eram igualmente outros, fazendo-a servir sempre a propósitos dramáticos. É significativo que no seu tratamento das fugas, a forma contrapontística mais estrita e também a mais prestigiada, que para os barrocos teve papel tão importante como a sonata para os neoclássicos, mostre um tratamento muito livre, e elas em geral façam uso de largas seções homofônicas e pareçam à primeira vista apenas esboços. Permitia-se também a inversão de seções, colocando às vezes o stretto logo após a primeira exposição, borrando os limites entre os episódios ou usando trechos fugados à maneira de rondò. Quando aplicou a polifonia ao coro, não raro construiu um trecho polifônico primeiro que desemboca numa seção homofônica como coroamento dramático da peça, obtendo efeitos impactantes. Para os críticos dessa abordagem tão livre e pessoal, provou que isso não se devia a uma eventual incompetência no manejo da forma, mas a uma escolha consciente, através de vários exemplos didáticos de grande beleza que seguem à risca as regras.[45]
Sua harmonia é sempre sólida, clara, atraente, imaginativa e muitas vezes ousada, com modulações inusitadas e aventurescas e resoluções imprevistas, e fez uso de tonalidades incomuns em sua época, como si bemol menor, mi bemol menor e lá bemol menor. Era capaz de produzir tanto efeitos atmosféricos sutis como encadeamentos de acordes de poderoso movimento dramático.[46] Aparentemente definia de antemão os contornos harmônicos de uma peça, mas deixava para decidir nuances e movimentos harmônicos detalhados ao longo do processo compositivo, dando à sua criatividade, segundo o que pensa Hurley, um caráter intuitivo.[47] Nos seus recitativos foi às vezes um profeta da música moderna, com cromatismos surpreendentes. Era dono de uma grande habilidade para o desenvolvimento temático, que às vezes assumia proporções sinfônicas nos acompanhamentos das árias e nos coros, criando um efeito de movimento contínuo de grande força propulsiva. Tinha um fino senso de ritmo e de refinamento métrico. Suas frases, segundo Lang, podem ser comparadas a versos brancos, cujo ritmo é complicado por enjambements e pelo uso de combinações e alternâncias de metros diferentes. Isso fica nítido nos seus manuscritos, que usam a marcação de compasso com grande liberdade, o que muitas vezes é "corrigido" em edições impressas privando o leitor da percepção das sutis nuances de fraseado.[46]
No tratamento das árias divergiu da prática de seu tempo. A ária havia evoluído para uma forma chamada da capo (do início), uma estrutura tripartida e simétrica: ABA - uma primeira seção apresentando o tema principal e seu desenvolvimento através de variações e ornamentação; seguia-se uma parte contrastante, em outra tonalidade, geralmente a relativa oposta da tonalidade de abertura, que tinha a função de introduzir o elemento dialético do discurso, uma contra-argumentação, e depois se fazia uma recapitulação do material inicial no ritornello, que confirmava a idéia básica da peça, que em sua época era uma repetição literal do primeiro trecho. Händel muitas vezes evitou uma repetição literal introduzindo modificações na linha melódica que filtravam elementos da seção intermédia, ou fazendo abreviações em toda a seção, resultando numa estrutura assimétrica, ABa.[48][49]
Händel se tornou famoso entre outras coisas por sua habilidade de ilustrar gráfica e musicalmente o significado do texto, na técnica conhecida como "pintura de palavras", que era uma das categorias mais importantes do pensamento musical barroco e se inseria na "doutrina dos afetos", um complexo sistema de simbolização de emoções através de recursos plásticos e auditivos que era usada na música puramente instrumental e se tornava ainda mais crucial para a música vocal dramática.[50] Segue como exemplo um fragmento de uma ária do Messiah. O texto reza:
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- "Every valley shall be exalted, and every mountain and hill made low; the crooked straight and the rough places plain."
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- "(Todo o vale será exaltado, e toda a montanha e colina serão rebaixadas; o torto será endireitado, e a aspereza aplainada)"